Eles foram afastados pela PRF e estão sendo investigados em um procedimento administrativo disciplinar. E uma investigação do Fantástico mostra que o procedimento utilizado em Sergipe pode não ser um caso isolado no Brasil.
O Fantástico conseguiu confirmar os nomes dos três policiais rodoviários federais envolvidos na ação que provocou o sufocamento com gás lacrimogêneo Genivaldo de Jesus Santos na última quarta-feira (25), em Sergipe: Kleber Nascimento Freitas, Paulo Rodolpho Lima Nascimento e William de Barros Noia. Eles foram afastados pela PRF e estão sendo investigados em um procedimento administrativo disciplinar.
Genivaldo tinha 38 anos e fazia tratamento psiquiátrico. Foi xingado, agredido, imobilizado e, por fim, sufocado no porta-malas da viatura da Polícia Rodoviária Federal. A morte dele aconteceu no dia em que o mundo lembrava os dois anos do assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos. E o paralelo trágico se tornou inevitável. Mais uma vez, a brutalidade policial tirou a vida de um homem negro.
A ação policial foi na BR-101, por volta das 11h. Genivaldo foi parado pelos policiais por estar dirigindo uma moto sem capacete. Fora da moto, ele é revistado enquanto ouve palavras de ordem. Um agente se aproxima e aplica gás de pimenta no rosto de Genivaldo. Ele consegue se soltar, mas os policiais ordenam que se deite no chão.
A abordagem continuou no meio da pista. Os policiais prendem as mãos e tentam prender os pés de Genivaldo. Na tentativa de imobilização, os policiais tentam usar a técnica conhecida como mata-leão, já abandonada por forças policiais mundo afora e também no Brasil. Eles pressionam com os joelhos o pescoço e o peito de Genivaldo, que parece dominado. Os agentes decidem colocá-lo na viatura. Com as pernas, Genivaldo impede o fechamento da porta traseira.
Um dos policiais joga um dispositivo dentro do porta-malas. A fumaça de gás lacrimogêneo surge e, por mais de um minuto, eles continuam pressionando a porta. Uma das testemunhas alerta os policiais: “Vai matar o cara”.
Quando eles finalmente abrem a porta, Genivaldo parece estar desacordado e não resiste mais.
O gás lacrimogênio expulsa o oxigênio do ambiente. Isso pode causar o colapso do sistema respiratório e provocar asfixia.
“Essa asfixia, a impossibilidade de respirar leva a queda de oxigenação no organismo que é a hipóxia. E a hipóxia vai provocar todos os seus prejuízos aos órgãos e sistemas do organismo como o sistema nervoso, cardiovascular, respiratório”, explica Gustavo Prado, médico da Sociedade Brasileira de Pneumonologia.
Do outro lado da pista onde tudo aconteceu trabalha Ualisson de Jesus Santos, sobrinho de Genivaldo que viu tudo acontecer.
Repórter: A partir do momento que eles colocam o seu tio na viatura, ele para de se de se debater, ele para de se mover. O que eles fazem depois disso?
Ualisson: Deixaram a viatura ali.
Repórter: Não socorreram ele imediatamente, ali?
Ualisson: Não, não. Ele ficou lá no local. Com toda calma, eles foram pegar a moto, pegar um engate no reboque deles para colocar na viatura, pegar a moto e botar em cima.
Repórter: Para onde eles foram depois que eles saíram?
Ualisson: Direto para a delegacia. Assim que a gente chegou na delegacia, o delegado notificou a gente que eles tinham vindo para o hospital. Quando chegamos lá, estava um policial na porta do quarto. A gente pediu para entrar. Ele disse não, não entra ninguém aqui.
Na quarta-feira, a PRF chegou a dizer em nota que os agentes empregaram “técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo”. A polícia ainda não confirma os nomes, mas divulgou um vídeo com uma mudança de posicionamento sobre o caso.
“Assistimos com indignação os fatos ocorridos na cidade de Umbaúba, em Sergipe, em que uma ação envolvendo policiais rodoviários federais resultou na morte do senhor Genivaldo de Jesus Santos. Não compactuamos com as medidas adotadas durante a abordagem ao senhor Genivaldo. Os procedimentos vistos durante a ação não estão de acordo com as diretrizes expressas em cursos e manuais da nossa instituição”, disse Marco Territo, coordenador geral de comunicação institucional – PRF.
A OAB cobra prisão cautelar dos envolvidos e a ONU pediu uma “investigação célere e completa” do caso. A investigação em Umbaúba é feita pela Polícia Federal, que mandou peritos de Brasília. O Fantástico obteve vídeos que mostram a equipe examinando no sábado (28) a viatura em que Genivaldo ficou preso.
“A investigação tá em andamento, tá fluindo, a polícia rodoviária está contribuindo com a investigação desde o início, então a meu ver não tem motivo para pedido de prisão dos policiais”, destaca Fredson Vidal, delegado da Polícia Federal em Sergipe.
A Polícia Federal tem 30 dias para concluir a investigação.
Uma investigação do Fantástico mostra que o procedimento utilizado em Sergipe pode não ser um caso isolado no Brasil. A reportagem encontrou sentenças judiciais com relatos de 18 homens que receberam gás de pimenta confinados em viaturas de diferentes forças policiais. São casos ocorridos nos últimos 12 anos, em seis estados, envolvendo suspeitos que foram detidos por diferentes acusações.
“Eu estava algemado para trás, ele abriu a porta de trás do chiqueirinho e encheu de pimenta na minha cara. Me ameaçavam, que eles iam me matar, que eles iam me matar. Eu me arrepiei todo a hora que eu vi esse vídeo do Genivaldo, porque para mim foi um filme que passou na minha cabeça”, conta um homem.
Como o dele, há outros depoimentos de suspeitos que quebraram as janelas das viaturas para conseguir respirar. Alguns deles chegaram a quebrar o vidro com a cabeça, mas nenhum desses casos envolveu gás lacrimogêneo, que é ainda mais perigoso, como o caso de Genivaldo.
Com informações do Fantástico