Ele usava táticas similares às praticadas por Lázaro Barbosa, como o uso da mata como esconderijo. Também entre as semelhanças, os crimes de ambos foram associados a um “demônio”

A morte de Fernando foi manchete do O POVO no dia 5 de setembro de 1982 (Foto: Reprodução/O POVO.Doc)

As grandes mobilizações de forças de segurança para capturar suspeitos não são novidades na história brasileira. Entre os criminosos cearenses, Fernando Soares Pereira, conhecido como “Fernando da Gata”, conseguiu fugir da polícia durante cerca de 20 dias e acabou morto em um confronto com os agentes policiais. Nos últimos anos de sua vida, ele migrou para São Paulo e morreu na cidade de Pouso Alegre, na fronteira do estado com Minas Gerais.

No início da década de 1980, com uma série de crimes cometidos, como homicídios e estupros, Fernando tornou-se temido por onde passava e preocupava as autoridades locais. “Por onde passava, o delinquente praticava toda espécie de crimes deixando as famílias alarmadas e intranquilas temendo novas investidas do maníaco assaltante. Quando ele entrava numa residência para furtar, geralmente violentava vítimas do sexo masculino, sem se importar com a idade”, publicou O POVO em edição de maio de 1981.

Natural de Russas, no Interior do Ceará, o homem recebeu a alcunha de “Fernando da Gata” porque andava em muros e telhados como um gato. Com o sonho de ser artista, ele “mudou seu comportamento” quando foi preso pela primeira vez para averiguação ao tentar entrar no Exército, após uma suspeita de furto, conforme explicou sua mãe. “Não dormia mais à noite, ficava acordado, vagando pelas ruas próximas a sua casa”, narra a reportagem da época.

Foto: (Reprodução/O POVO.Doc)

Durante sua vida, Fernando teve tentativas de fuga da prisão pouco convencionais. Em uma delas, ainda em Russas, o homem tentou atear fogo no teto de sua própria cela com gasolina, mas não teve sucesso. Outro caso aconteceu em Mossoró, no Rio Grande do Norte, e foi narrada em matéria de 1982 publicada no O POVO. “A fuga foi sensacional. Ele utilizou um grampo de cabelo de uma namorada para fabricar uma chave e abrir o cadeado de sua cela. Foi a última vez que Fernando da Gata esteve preso”.

Quando fugia da polícia, Fernando táticas similares às praticadas por Lázaro Barbosa, como o uso da mata como esconderijo para não ser capturado pelos agentes. “O marginal recebeu dois tiros, um no pé esquerdo e outro nas costas, mas mesmo assim conseguiu furar o cerco e embrenhar-se no matagal. Durante a madrugada de domingo e segunda-feira, soldados da Rota e da Garra auxiliados por cães do canil da Polícia Militar vasculharam uma extensa área, mas não conseguiram localizá-lo”, dizia matéria de agosto de 1982 do O POVO.

Ele ainda chegou a enfrentar os policiais, mesmo diante do cerco da residência onde estava, em Osasco (SP). “‘Fernando, sai com as mão para cima e não reaja. A casa está cercada e é melhor se entregar’, disse o delegado que chefiava a diligência (Ari Sampaio de Oliveira). ‘Venham me buscar — disse o ladrão — pois vivo não me entrego”, descreve a reportagem.

Moradores de Russas diziam que Fernando da Gata tinha “parte com demônio”

Assim como acontece com Lázaro Barbosa, os crimes de Fernando da Gata também foram relacionados na época com a existência de um “demônio”. Moradores de Russas deram entrevista na época dizendo que ele “tinha parte com o demônio” e alguns não acreditavam em sua morte. “Ele é sócio do ‘Satanaz’. Só vou acreditar quando eu ver o corpo. Vou tomar um susto quando ele reaparecer”, disse um dos habitantes da cidade após a notícia de sua morte.

No caso do Distrito Federal, o pai de santo André Vicente de Souza denunciou a intolerância com religiões de matriz africana dos policiais que participam da ação. Conforme o relato do líder religioso, os agentes o coagiram e quebraram itens religiosos. “É inaceitável que tentem vincular o comportamento criminoso de Lázaro às religiões de matriz Africana. Temos denunciado essa intolerância religiosa e vamos pedir apuração dessas condutas!”, disse o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Fábio Felix (PSOL).

Exame gerou dúvidas se o homem estava realmente morto

O fim da ‘caçada’ à Fernando não encerrou, no entanto, a história do caso. As impressões digitais enviadas para pela delegacia de Pouso Alegre para o Ceará não bateram inicialmente com a ficha criminal da polícia cearense, em Russas. “‘E agora? Agora danou-se.’ Foi o que disse ontem o investigador Antonio Augusto, policial paulista que durante 53 dias realizou diligências para localização do bandido”, dizia em matéria da época.

Alguns dias depois, no entanto, a confusão foi sanada e constatou-se a morte do homem. “Não existem mais dúvidas, o corpo é mesmo de Fernando da Gata. Esta afirmação foi feita pelo sargento João Xavier da Silva, do Comando de Operações Especiais (COE), ao examinar fotos apresentadas pela reportagem do O POVO.” A tese foi reforçada após envio de documentos oficiais para o Ceará que comprovaram a morte do homem, além de uma nova análise das planilhas de impressões digitais de Fernando.

“De posse do material que comprova a morte de Fernando Soares Pereira, o delegado (de Russas) Luiz Suderlan Alves de Morais vai expedir ofícios para as várias cidades cearenses comunicando a morte do marginal”, acrescenta a publicação do dia 19 de setembro de 1982. O procedimento foi realizado para que os juízes das comarcas com processos contra Fernando extinguissem a punibilidade do criminoso.

Um mês após a morte do homem, foi iniciada a produção de uma minissérie de dois capítulos na TV Globo sobre sua história. Escrita pelo então diretor do Globo Repórter, a produção foi gravada em São Paulo e exibida no ano seguinte, nos dias 14 e 15 de fevereiro. Fernando foi interpretado por José Dumont e a trama se concentrou nas ações do homem na capital paulista.

Matéria publicada no Jornal O Povo

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