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HSM sensibiliza a sociedade sobre estigmas relacionados a pessoas com transtornos mentais

 

Hoje, quando se olha no espelho, Maria Iraci Queiroz, de 47 anos, enxerga mais alegria no sorriso e luz no olhar. “Eu me vejo diferente de antes. Estou mais alegre. É essa Iraci que eu quero ver”, afirma Iraci, que está em tratamento de depressão e ansiedade no Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM), unidade da Secretaria da Saúde do Ceará e integrante da rede hospitalar do Sistema Único de Saúde (SUS).

Referência em Saúde Mental no Ceará, o HSM, localizado em Fortaleza, conta com emergência psiquiátrica aberta 24 horas para receber pacientes com transtornos mentais graves e que estejam em crise. Para pessoas que precisam de internamento, o Hospital conta com 180 leitos de internação, sendo 160 para tratamento de pacientes com transtornos mentais gerais e 20 leitos para dependentes químicos.

Para pessoas que não precisam de internação, mas necessitam de acompanhamento especializado, o HSM oferece atendimento ambulatorial psiquiátrico, coordenado pela Residência em Psiquiatria do Hospital, atendendo crianças, jovens, adultos e idosos. A unidade dispõe, ainda, de dois Hospitais-Dia: Elo de Vida, que atende pacientes com dependência química, e o Lugar de Vida, voltado para o atendimento aos pacientes com transtornos mentais que apresentam quadro de saúde estável. O HSM completa 60 anos em 2023.

Humanização

É no Hospital-Dia Lugar de Vida que Iraci reencontra motivações para seguir em frente. Motivações apagadas pelo medo da solidão que, em 2020, foi acentuado por conta do distanciamento social necessário no enfrentamento à pandemia da covid-19. “Eu fiquei em pânico. Achava que a maior solução era morrer, porque não tinha mais sentido a minha vida. Eu só dormia, não me alimentava, e chorava. Tive muitas crises desde que cheguei aqui, mas fui muito bem acolhida pela equipe do Hospital-Dia”, conta.

A depressão é um transtorno mental caracterizado por sentimentos negativos e causado por uma combinação de fatores genéticos, biológicos, ambientais e psicológicos. Pessoas com depressão são afetadas na capacidade de trabalhar, dormir, estudar, comer e socializar.

O desejo de vida que hoje floresce em Iraci está enraizado em cada etapa do tratamento e nas bonitas miudezas que ela descobre no cotidiano ao lado dos colegas. “Aqui, mesmo quando estou muito ansiosa, eu saio cortando flores e plantas para fazer arranjos. As meninas me chamam de florista. Enfeito até as salas do Hospital. Mas nem todo dia é fácil. Cada degrau da escada que a gente sobe é uma conquista”, registra.

Além dos arranjos florais, Iraci participa de atividades com pinturas e música 

Para o psiquiatra e diretor clínico do HSM, Helder Gomes, cuidar da saúde mental é uma questão de saúde pública. A preocupação com o tema, inclusive, cresceu muito durante a pandemia. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, em 2020, foi registrado aumento de 25% em casos de depressão e ansiedade na população mundial. Ainda segundo a OMS, o Brasil é o país com maior prevalência de depressão na América Latina, além de ser o segundo país com maior prevalência nas Américas. A sensibilização sobre o tema ganha mais força com a campanha Janeiro Branco, cujo foco é a prevenção de alguns transtornos psiquiátricos.

“A Organização Mundial da Saúde define que saúde mental significa não somente ausência de doença. Ou seja, não significa dizer que não tem depressão ou ansiedade. Ter saúde mental é um contexto mais amplo que vai envolver bem-estar, qualidade de vida, capacidade de interação social, prática do lazer e trabalho. Um contexto que compreende estar bem consigo mesmo e com a sociedade. Você estar bem não significa a ausência de doença, até porque problemas acontecem em nossas vidas o tempo todo, então é importante sabermos lidar com isso da melhor forma possível”, explica Helder.

Para Helder, a sociedade precisa conversar mais sobre saúde mental

Sobre a busca por atendimento, o psiquiatra ressalta que o HSM, por se caracterizar como uma unidade do nível terciário de Atenção à Saúde, ou seja, destinado a atender casos psiquiátricos de alta complexidade, tem na Rede de Saúde Mental o reforço necessário. “Temos 80% dos casos psiquiátricos resolvidos nos postos de saúde, que fazem parte da Atenção Primária à Saúde. Os casos mais graves são encaminhados para os Centros de Atenção Psicossocial (Caps). No Ceará, nós temos Caps gerais, para atendimento de adultos; Caps infantis, para atendimento de crianças e adolescentes; e Caps AD, destinados a pacientes com dependência química relacionada a álcool e outras drogas. O HSM, então, fica de retaguarda para casos graves que os outros locais não conseguem atender”, sublinha.

Conversar sobre saúde mental é fundamental para auxiliar no processo de diagnóstico precoce e tratamento especializado, mas também contribui para desconstruir o preconceito que ainda existe.  Preconceito que Reginaldo Bezerra, 56, também paciente do Hospital-Dia Lugar de Vida, aprendeu a lidar.

“Minha primeira crise foi em 1989. Chorei muito, meus dedos enrijeceram. De lá para cá, fiquei tendo crises de depressão, mas fazendo tratamento. Tenho F31 [transtorno afetivo bipolar], que está associado a um fator genético. Aqui, no Hospital-Dia, tem pessoas com F20 [esquizofrenia], outras com F33 [transtorno depressivo recorrente]. Mas esses Fs não maltratam tanto como o f da frescura do preconceito, que eu chamo de fresconceito”, define Reginaldo, que também é atendido mensalmente no Ambulatório de Transtornos do Humor do HSM.

Reginaldo destaca que o apoio do HSM e da família ajudam no tratamento

Nos ambulatórios do HSM são atendidos os pacientes com transtornos mentais com diferentes diagnósticos e graus de gravidade. Atualmente, a assistência ambulatorial é prestada pelos médicos que estão se especializando em Psiquiatria, residentes do Hospital, sob a supervisão de preceptores da Residência Médica e dispõe de 15 ambulatórios.

Reginaldo recebeu o diagnóstico de transtorno afetivo bipolar em 1989, mesmo ano em que foi apresentado o projeto de reforma psiquiátrica do Brasil. Após 12 anos, o texto foi aprovado e sancionado como Lei nº 10.216/2001, ficando conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica. Um marco histórico que garantiu a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, com redirecionamento do modelo assistencial em saúde mental em território brasileiro.

Além da depressão e do transtorno afetivo bipolar, também estão entre os transtornos mentais a esquizofrenia e outras psicoses, demência, deficiência intelectual e transtornos de desenvolvimento.

O preconceito relacionado aos transtornos mentais, segundo Helder, ainda faz parte da lembrança desse passado no qual as pessoas eram internadas sem previsão de alta e destinadas ao isolamento. “Nas últimas décadas, principalmente após a reforma antimanicomial, a psiquiatria passou a incentivar o tratamento humanizado. O paciente do Hospital de Saúde Mental, por exemplo, é atendido por um psiquiatra e equipe multiprofissional, composta por psicólogo, enfermeiro, terapeuta ocupacional, farmacêutico, fisioterapeuta, nutricionista, assistente social e outros profissionais necessários para compreender o paciente como um todo. O paciente precisa de atenção, de escuta, de ser tratado como cidadão”, considera.

Para oportunizar o contínuo aprimoramento desses profissionais, o HSM também se destaca no campo de estudo, pesquisa e formação na área de saúde mental. É o que explica o psiquiatra e diretor-geral da unidade, Davi Queiroz de Carvalho Rocha. “Faz parte do HSM o compromisso com o ensino e a produção científica. Mas ainda temos muito o que caminhar na área da saúde mental. Não há saúde sem saúde mental”, conclui Davi.

Nos corredores do HSM, é possível admirar telas que foram pintadas por ex-pacientes

Gente que cuida

Nesse sentido, o atendimento humanizado no HSM dialoga com atividades de outras áreas, como a arte e a prática esportiva. “Uma pessoa com esquizofrenia não perde suas capacidades de viver. Diversas capacidades permanecem e, por meio do tratamento, podem ser estimulados. Sabemos que, até para esse talento aflorar, é preciso que o paciente siga o tratamento adequado”, avalia Helder.

A consciência corporal é uma grande aliada nos cuidados com a saúde mental

A música também compõe o tratamento no HSM, com destaque para a famosa Orquestra Vidros Mágicos, que já apareceu em vários programas da televisão brasileira. Instrumentos que iluminam a rotina de pacientes como Iraci e Reginaldo. Responsável pela Orquestra, a musicoterapeuta e psicóloga Ré Campos, que há 20 anos atua no HSM, fala sobre como a iniciativa auxilia no tratamento.

“Fazemos isso para que os pacientes se sintam autores de suas vidas. As pessoas em tratamento psíquico ficam, muitas vezes, em isolamento na família e na sociedade. Nós precisamos tirá-los desse isolamento e conduzi-los à socialização. Para isso, temos a arte, que não é privilégio somente de artistas. A arte tem o potencial de resgatar a nossa essência, que é de harmonia e saúde”, defende a psicóloga.

A psicóloga e musicoterapeuta Ré Campos desenvolve a Orquestra Vidros Mágicos no HSM há 10 anos

Com o propósito de criar mais conexões, o Tintas Terapêuticas, outro projeto conduzido por Ré Campos, incentivou a participação dos pacientes na revitalização dos espaços que eles frequentam no Hospital. Como resultado, paredes e pisos ganharam cores e mais vida. Além disso, os pacientes também participaram da construção de uma quadra terapêutica, um campinho e um canteiro terapêutico. A ação contou com a participação dos funcionários.

“Eu sinto como se eu ganhasse na Mega-Sena todo dia. É muito bom o retorno que eles dão para gente; eles aderem ao tratamento e recebem alta mais rapidamente. A gente procura oportunizar um ambiente mais acolhedor e mais humano”, observa.

A humanização também guia o trabalho diário da terapeuta ocupacional Silvia Jatahy, que há 42 anos faz parte da equipe do HSM. No setor de Terapia Ocupacional, nas unidades masculinas e femininas, são desenvolvidas para os pacientes internados atividades autoexpressivas, socioterápicas, de reciclagem, pinturas, costura, dentre outras.

“No dia a dia, nós tentamos dar o melhor de nós para eles, para que consigam sentir laços de afetividade. Nós vemos eles como pessoas que precisam do nosso apoio”, diz Silvia.

Dedicação e ternura também guiam o trabalho da terapeuta ocupacional Silvia Jatahy

É nesse acolhimento que Maria Iraci, paciente do Hospital-Dia, dá os primeiros passos de uma nova caminhada. “Se a gente pudesse não ia embora, mas acontece que temos que virar borboleta para voar. Eu pretendo, se Deus quiser, quando terminar meu tratamento, seguir minha vida em frente; voltar a trabalhar, cuidar da minha casa e do meu filho”, projeta.

Valorização da Vida

Caso você esteja precisando de apoio emocional, principalmente relacionado à prevenção do suicídio, procure o Caps (Centros de Atenção Psicossocial) do seu município ou ligue para o CVV (Centro de Valorização da Vida) pelo número 188.

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