Sorrisos nos rostos, palavras carinhosas e crianças brincando. Essas são as imagens comuns de serem vistas pelos corredores do Hospital Infantil Albert Sabin (Hias), e em seu anexo, o Centro Pediátrico do Câncer (CPC), contrariando todos os estereótipos lançados sobre o assunto.
No Ceará, cerca de 200 pessoas de zero a 18 anos são diagnosticadas com a patologia anualmente
Sorrisos nos rostos, palavras carinhosas e crianças brincando. Essas são as imagens comuns de serem vistas pelos corredores do Hospital Infantil Albert Sabin (Hias), e em seu anexo, o Centro Pediátrico do Câncer (CPC), contrariando todos os estereótipos lançados sobre o assunto.
“Nosso clima é leve. A gente está aqui dentro com sorrisos, brincadeiras, de vez em quando ganhando um abraço. Então, na realidade, o dia a dia do oncologista pediátrico de fato tem muitos desafios, mas o nosso ambiente é leve, porque em contrapartida nós temos os nossos pequenos pacientes”. É assim que a oncohematologista pediátrica e coordenadora do Hospital-Dia do CPC, Viviany Viana, começa descrevendo a rotina diária da unidade hospitalar.
O hospital, vinculado à Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), dedicado ao atendimento pediátrico, com ênfase em doenças raras e atendimento oncológico, esse último prestado no CPC, destaca-se não só como referência na detecção precoce e no tratamento de neoplasias infantojuvenis, mas também pelo tratamento humanizado e o acolhimento oferecido na unidade.
O andar saltitante da pequena Elisa Holanda, de 11 anos, é uma das evidências desse ambiente leve. Depois de quase dois anos de tratamento, diagnosticada com Leucemia Linfóide Aguda Tipo B, e apesar de estar em uma fase em que apresenta imunidade baixa, Elisa não deixa de esbanjar sorrisos pelos corredores da unidade médica, mesmo que por baixo da máscara.
“Apesar de tudo, eu gosto daqui. A gente brinca, a gente se distrai um pouquinho. Aqui eu fiz amizades, conheci outras pessoas, então eu gosto muito de vir para cá”, comenta Elisa. Com uma rotina de, pelo menos, três dias da semana no hospital, a garota já considera a equipe médica parte da família.
Referência
Considerado referência no Norte e Nordeste na detecção precoce e no tratamento de neoplasias infantojuvenis, o Centro Pediátrico do Câncer (CPC) funciona no chamado protocolo de “porta aberta”. Ou seja, de segunda a sexta-feira, 24 horas por dia, sem necessidade de agendamento. Os pacientes podem ser encaminhados por profissionais de qualquer nível de atenção à saúde.
“Hoje [o câncer] é a maior causa de óbitos em crianças, depois dos acidentes e doenças infecciosas. No câncer, hoje, nós temos como a maior arma de tratamento a busca desse diagnóstico precoce”, destaca Fábia Linhares, pediatra e diretora-geral do Hias. “Então, é feito um trabalho, juntamente com a parceria com a Associação Peter Pan (APP), onde profissionais de todo o estado, e outros também, são capacitados nesse olhar diferenciado, para a qualquer sinal, qualquer sintoma que eles acreditem que seja uma possibilidade de uma doença oncohematológica, eles possam nos encaminhar para esse diagnóstico precoce”, complementa.
Para a pediatra, esse diagnóstico precoce é importante, não apenas para o tratamento que tem mais chances de cura, mas também para um melhor serviço humanizado que passa a ser prestado ao núcleo familiar. “Agimos para o quanto mais cedo o paciente chegue a nós, nós possamos acolhê-lo, acolher a família. Para, se o câncer não for identificado, dar aquele conforto à mãe, para ela dar o seguimento pediátrico da patologia que seja identificada [já que o Hias atende vários seguimentos], ou se a doença oncológica for identificada, aqui [no CPC] ela começa o mais cedo possível [o tratamento] como uma arma de alcançar a cura”, ressalta.
Na incidência dos casos mais comuns de câncer na infância, indica a literatura especializada, se destacam as leucemias agudas, seguidas pelos tumores de sistema nervoso central e pelos linfomas.
Acolhimento
Helen Holanda, moradora de Fortaleza e mãe da pequena Elisa, é uma das várias mães acolhidas pelas portas abertas do Hias. Foi em agosto de 2020, em meio à pandemia de covid-19, que ela se viu chegando com a filha ao hospital. “Foram dois sustos, primeiro por conta do estágio da pandemia em que estávamos, porque moramos com pessoas de grupo de risco, meus avós, e no meio disso descobrimos o diagnóstico dela, o que foi pior ainda. Porque não se espera receber um diagnóstico de câncer em uma criança, que sempre foi muito bem cuidada”, conta Helen.
“Eu digo que, desde o primeiro dia, Deus colocou anjos na minha vida. Da noite em que cheguei aqui, eu vim direto pro Albert Sabin (Hias), e eles me disseram ‘você vai pro CPC’, que eu nunca na vida soube o que era essa sigla. Então, ela [Elisa] já chegou tomando sangue e plaqueta, porque tava muito mal, e lembro de uma enfermeira que largou tudo, sentou do meu lado e disse ‘eu só não posso te dar um abraço [por conta da pandemia], mas se sinta acolhida’. Então, foi ali que chorei. E, todos os dias, eu sinto esse acolhimento”, relembra.
Apesar da caminhada árdua do tratamento, e dos altos e baixos, Helen se sente aliviada por ter esse acolhimento tão presente. “A gente está no hospital, sabe que não é fácil, sabe que tem momentos ruins, mas tem exemplos maravilhosos aqui dentro. Os médicos vêm, explicam direitinho, e tem esse lado humano, que sabemos que podemos contar com eles”, pontua Helen.
O “maior tesouro”
Com cerca de 430 pacientes em tratamento, entre internados e não internados, a unidade hospitalar oferece muito mais do que a sua estrutura de ponta, que conta com 34 leitos de internação, 24 leitos de quimioterapia sequencial e Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de oncologia infantojuvenil, a única do Norte e Nordeste. O equipamento oferece o “olhar atencioso” do corpo clínico, que foi descrito pela diretora-geral do Hias, Fábia Linhares, como “o nosso maior tesouro”.
“É o nosso grande diferencial nesse tratamento, porque hoje em dia temos em média 200 crianças por ano diagnosticadas com câncer. Então, nosso grande diferencial é nosso corpo clínico, esse é o nosso maior tesouro. Nós temos aqui, na cidade inteira, todos os melhores oncologistas, muitas vezes não só daqui de Fortaleza, mas com a formação de fora, que pela riqueza do serviço vem para trabalhar junto a nós”, enfatiza a diretora-geral.
Foi o acolhimento promovido por esse corpo clínico que possibilitou a Josiane Lessa, mãe do Daniel, de 14 anos, a permanecer forte durante o período considerado o “mais difícil de sua vida”. Depois de o filho passar semanas sentindo dores nas pernas, até mesmo para andar de bicicleta, algo que era costume do garoto, o diagnóstico de osteossarcoma veio, e assim mudou a vida da família.
“Pensávamos que era dor do crescimento, como alguns chamam, mas aí resolvemos levar ao ortopedista, que pediu o raio x. Assim que saiu o resultado, no outro dia já estávamos aqui [no Hias]. Já fomos encaminhados direto para cá, o médico já tinha organizado tudo”, conta Josiane. “Hoje meu sentimento é de gratidão, porque um diagnóstico como esse é uma bomba, o chão abriu para mim”, completa a mãe.
A família de Canindé faz viagens para Fortaleza, pelo menos, duas vezes por semana, desde 11 de fevereiro de 2021, quando Daniel foi diagnosticado. De lá para cá, o garoto já passou por diversos altos e baixos, incluindo a amputação da perna direita. “O acolhimento aqui do hospital é sem igual, em muitos lugares não tem isso, e aqui vai além. Destacar as pessoas que trabalham aqui”, enfatiza Josiane.
Vestindo uma camisa da seleção japonesa de futebol, e assumindo ser fã de cultura asiática, o adolescente, que encontrou a esperança a 101 quilômetros (km) de casa, conta que apesar do tratamento ser difícil, com a força que recebe da “corrente de apoio” que se forma no hospital, sente que “o pior já passou”.
“O principal sentimento que tenho agora é saber que o pior já passou, por causa da perna, das dores que não sinto mais, tomar remédio pesado para dor. Mas assim, eu sei que daqui para frente vou pensar que só vai vir coisa melhor”, finaliza Daniel.
Suporte contínuo
Sabendo que as patologias ali atendidas mudam vidas de famílias inteiras, o Hias oferece um programa de suporte contínuo, que vai além do período de tratamento, e que engloba, inclusive, famílias que venham a perder seus entes queridos. A coordenadora Viviany explica que esse suporte psicológico tem início no momento em que a criança dá entrada na unidade.
“O grande diferencial da nossa vivência é manter essas famílias com suporte psicológico contínuo. A criança é acolhida desde que chega e a família também, para irmos acompanhando essas demandas na medida que vão acontecendo”, pontua a coordenadora Viviany.
No entanto, esse suporte não para nas famílias. O apoio psicológico se estende também ao corpo clínico, de uma forma menos sistemática, mas necessária pelo “trabalho muito árduo, mas feito com muito amor, muita garra, muita vontade”, como destacou a diretora-geral Fábia Linhares, que é prestado diariamente.
“Para o profissional também oferecemos o suporte, porque a gente tem essa premissa de acolher. Acolhemos com atendimento psicológico especializado para os profissionais. E assim tentamos manter esse clima otimizado, manter esse clima leve. [Torna tudo] um pouco menos árduo”, explica Viviany.
O que fica de aprendizado
Levar lições para a vida é algo comum na sociedade, e não é diferente entre os profissionais do Hias. A pediatra Fábia Linhares, trabalhando no Hias desde que a área oncológica não passava de uma enfermaria, há cerca de 20 anos, pontua que aqueles corredores já lhe ensinaram muitas lições de vida, entre elas a lição de “sentir” pelo próximo.
“Aqui a gente fala que só não faz chover, mas que a gente faz de tudo para proporcionar tudo o que pode, para aquele que mais precisa. É difícil e dolorido quando se tem perdas, mas nosso trabalho é assim. Temos que sentir, porque se a gente perdeu a sensibilidade, está na hora de parar. Mas, ao mesmo tempo, é muito prazeroso quando a gente vê um sino que aqui tem, que é o sino da esperança, tocar”, pontua a diretora-geral. O sino da esperança toca cada vez que um paciente completa seu ciclo de tratamento.
Com o dia a dia desafiador, a oncopediatra Viviany Viana ressalta que nunca quis fazer algo que não fosse ser oncologista pediátrica, e esses 12 anos dentro do Hias lhe deram consciência de aproveitar a vida “cada dia de uma maneira diferente e muito intensa”.
“Para quem está aqui dentro é difícil reclamar. Acho que, como ser humano, é um lugar de aprendizado. Eu espero estar crescendo como ser humano para dar um retorno [a quem está aqui], porque isso modifica a vida de quem está aqui dentro. Eu saio daqui querendo fazer o meu melhor”, finaliza a médica.