Série especial em três matérias celebra o meio século de fundação do Estádio Plácido Aderaldo Castelo, o Castelão. O equipamento sedia jogos das principais competições nacionais e da América do Sul

“Olho para essas arquibancadas e sinto a tremenda felicidade daquele que disse que o nordestino é, acima de tudo, um forte”. Foi assim que o comentarista esportivo e ex-deputado estadual cearense Paulino Rocha descreveu – parafraseando Euclides da Cunha –, o encantamento de ser um dos primeiros a conhecer o Estádio Governador Plácido Aderaldo Castelo, inaugurado em 11 de novembro de 1973, em Fortaleza, no Ceará.

50 anos depois, “o gigante de concreto e cimento armado”, como também definiu Rocha, desponta imponente na paisagem urbana da cidade como uma moderna arena multiuso. O equipamento tem capacidade para receber até 63.903 espectadores, sendo o quarto maior estádio do Brasil e o maior do Norte/Nordeste em capacidade.

Mais que cenário, o estádio incorpora à sua estrutura as emoções e histórias dos grandes eventos, incluindo as glórias e desventuras daqueles que nasceram sob a sentença de amar o futebol.

O sonho concreto

A ideia de construir um estádio de grande porte no Ceará ganhou força após o título da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1970, conquistado no México. A construção de estádios monumentais virou “febre” Brasil afora. Na época, a Amarelinha, como a camisa da seleção passou a ser chamada, era um instrumento político para o Regime Militar.

Em Fortaleza, a maior praça esportiva até então era o Estádio Presidente Vargas, localizado no bairro Benfica. Assim, também era alimentado o desejo de presentear o futebol cearense com um equipamento que pudesse alavancar o espetáculo da bola no estado.

O radialista e locutor Gomes Farias pôde testemunhar o movimento que envolveu jornalistas, poder público, incluindo o ex-jogador e parlamentar cearense Aldenor Nunes Freire (Capotinho), entre outros representantes da sociedade em prol da construção do estádio. Ele relembra quando tudo ainda era apenas um sonho, principalmente da parte de Paulino Rocha. “Esse foi o primeiro momento desse colosso que é o Estádio Castelão. Eu prometi ao Paulino e a mim mesmo que, em vez de dizer Arena Castelão, diria: o placar no Plácido Castelo está lá”, relata.

O nome é uma homenagem ao governador Plácido Aderaldo Castelo, que autorizou a construção do estádio olímpico. Para coordenar os trabalhos, foi criada a Federação de Assistência Desportiva do Ceará, em 1968. Após estudos de viabilidade em outras regiões da cidade, foi escolhida e comprada uma área de 25 hectares que pertencia à Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza, no bairro Mata Galinha (atual Castelão).

Lendas do Gigante

No domingo, 11 de novembro de 1973, cerca de 70 mil pessoas compareceram ao Castelão para prestigiar a inauguração. O público ficou distribuído em dois lances de arquibancadas, ainda sem os setores atrás dos gols. No entorno do gramado havia uma pista de atletismo. No palco da festa, um jogo entre Fortaleza Esporte Clube x Ceará Sporting Club, o Clássico-Rei, que terminou em 0 a 0.

Dias depois, quem teve a alegria de anotar o primeiro gol do novo estádio foi o atacante do Ceará, Erandy Montenegro, no jogo do Alvinegro contra o Vitória, válido pelo primeiro Campeonato Nacional de Futebol Brasileiro – o atual Brasileirão. “Não posso esquecer jamais o Castelão, porque ficou um pedaço de mim, da minha história, por causa desse gol. Até hoje, ele é marcante”, afirma Erandy, que também jogou no Fortaleza e Ferroviário Atlètico Clube.

O ex-jogador destaca a importância de ter uma praça esportiva à altura da competição nacional. “Com o advento do Brasileiro, a partir de 1971, a gente começou a jogar contra esses times [do Sul e Sudeste] periodicamente. A gente, no começo, sentia essa distância, um respeito exacerbado até. Mas, com a continuidade de jogos, a gente foi sentindo que, embora tecnicamente fossem fantásticos, eles eram de carne e osso”, pontua Erandy.

Outros goleadores que têm seus nomes gravados na história do Castelão são: Geraldino Saravá, somando 98 gols marcados; e Magno Alves, artilheiro da Arena com 53 gols.

Geraldino Saravá, que jogou nos principais clubes do estado entre as décadas de 1970 e 1980, firmando-se como ídolo do Fortaleza, não esconde o orgulho de ter alcançado a marca de 98 gols no Castelão, e nenhum pênalti, como ele enfatiza. “De olhar [o Castelão] eu gosto, mas de entrar lá não, porque eu vou chorar. A gente fica com muita saudade”, diz o ex-jogador, que também é artilheiro do Romeirão, localizado em Juazeiro do Norte.

Magno Alves, que defendeu as cores do Ceará, também descreve a emoção de ser o maior artilheiro do Castelão na fase moderna. “É importantíssimo esse reconhecimento do povo nordestino de estar sempre enchendo o estádio, em especial o Castelão, que é o palco. É importantíssimo a gente deixar a nossa marca com gols e com títulos”, sublinha.

No centro do mundo

No início, muitas pessoas consideravam que o Castelão ficava muito distante do Centro da cidade. Além disso, ainda tinha a questão da estrutura, que ficou incompleta até a reforma de ampliação das arquibancadas, em 1980, para receber a visita do Papa João Paulo II. Naquele ano, o estádio ganhou os setores atrás dos gols.

O radialista e comentarista Wilton Bezerra analisa o processo de acolhimento do estádio enquanto a cidade e o futebol cearense cresciam. “Era um estádio incompleto, mas que atendia àquele anseio, exigência, dos desportistas. Foi uma euforia muito grande, afinal de contas, era um sonho que se concretizava. A princípio, era denominado de o Gigante do Mata Galinha, mas ficou foi Castelão mesmo. Esse estádio se ergueu, valorizou o bairro, e hoje é considerado uma coisa Central. Aos poucos, ele foi ficando perto da gente e foi se reconhecendo o verdadeiro valor do Castelão”, conclui.

Para o jornalista e locutor esportivo Tom Barros, os momentos marcantes do Castelão envolvem, principalmente, a Seleção Brasileira. A destacada lembrança é do amistoso do Brasil contra o Uruguai, em 27 de agosto de 1980, com vitória da Seleção em estreia no estádio cearense.

“Além da presença do Papa [em 1980], que foi uma situação longe do futebol, porque era um evento religioso mas profundamente emocionante pelo número de fiéis que compareceram. Logo depois foi o jogo Brasil contra o Uruguai. Eu estava lá, narrei também. Foi o jogo no qual eu vi o maior público do Castelão até hoje. Quase 120 mil pessoas”, recorda Tom Barros.

O gigante não só resistiu ao teste do tempo, como também passou por outras transformações: uma reforma em 2002, e sendo totalmente remodelado a partir de 2012, para sediar jogos da Copa das Confederações (três partidas) e da Copa do Mundo FIFA (seis partidas), competições realizadas no Brasil em 2013 e 2014, respectivamente.

“Eu tive a oportunidade de conhecer os maiores estádios do mundo narrando futebol na minha vida profissional, cobrindo Copas do Mundo por aí. Devo dizer que o Castelão, em termos de modernidade, não fica nada a dever aos grandes estádios do mundo. Foi esse progresso que eu vi: a satisfação de ver Castelão nas fundações, nas primeiras arquibancadas, nas primeiras cabines, e vendo o Castelão hoje moderno e amplo com todas as condições de oferecer o que há de melhor para a nossa cidade e para os grandes espetáculos do futebol brasileiro”, acrescenta Tom Barros.

O projeto executado reforçou o conceito de arena. Para isso, o campo foi rebaixado e a arquibancada inferior avançou 30 metros. A distância entre público e jogadores é atualmente de 10 metros. No projeto, optou-se por preservar 70% das arquibancadas superiores. Apenas o equivalente a 1/5 do estádio foi implodido.

A nova cobertura do estádio contempla toda a extensão das arquibancadas. De qualquer ponto da Arena, é possível ter a visão completa do campo. Também foram entregues novos camarotes, salas de imprensa, salas VIP, vestiários, sala de controle, zona mista, lounges e restaurantes.

Patrimônio dos torcedores

A torcedora do Ceará, Janaína Queiroz, de 38 anos, vai ao Castelão desde criança. Ela avalia que o equipamento tem um importante papel para a evolução dos clubes cearenses nas competições nacionais e internacionais. “É gratificante ver o quanto esses dois clubes evoluíram e como o estádio tem comportado as duas torcidas. Lembrar do Castelão antigo e nos depararmos com a Arena que temos hoje é presenciar essa evolução tanto dos clubes quanto do Estádio”, ressalta.

Na arquibancada, Janaina firma laços, fazendo questão de repassar o amor pelo Ceará aos filhos Caio, 19, e Levi, 14, e reforça propósitos coletivos. Ela é uma das fundadoras da “Torcedoras Raiz”, uma torcida do Vovô que contribui para que o espetáculo de futebol seja mais democrático e inclusivo.

“Quando criança, sempre que eu chegava em casa, falava para minha avó quantas mulheres tinha visto no Castelão. Lembro que um dia comemoramos que contei 11. Recentemente, participei ativamente da organização de um jogo que teve um público de quase 40 mil mulheres. Isso me levou à Janaína criança que comemorou o dia que disse a avó essas 11. Pra mim, foi a memória mais marcante da minha vida presenciar e fazer parte disso”, conta Janaína, que também é coordenadora de Projetos Femininos do Ceará.

Torcedora do Fortaleza, Arietha Holanda, 26, também compartilha o rito de fazer do estádio um lugar de conforto, um lar. “É o local em que sinto a energia e vibração, onde consigo expressar de forma individual e coletiva todo o amor e apoio que tenho ao Fortaleza. Além disso, é lá que reencontro pessoas que amo e posso dividir e multiplicar momentos inenarráveis com elas e com o Fortaleza”, afirma.

Se depender de torcedores como Arietha, a história da Arena Castelão continuará sendo escrita com muita emoção. “O estádio e a grande torcida que temos é um match perfeito para que possamos realizar a belíssima festa na arquibancada, com mosaicos históricos e de repercussão mundial. O Castelão sem dúvidas é uma casa de vivências e grandes memórias. Quero poder repassar e também vivenciar esse sentimento com meus filhos e netos”, projeta.

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