Um estudo em oito países feito pelo Instituto Reuters para Estudos de Jornalismo da Universidade de Oxford e divulgado na última quinta-feira (27/5), revelou que os brasileiros confiam mais na imprensa (52%) do que no governo (46%) como fonte de informação sobre a Covid.
Os políticos vieram em último lugar em credibilidade, com 20%, perdendo até para pessoas desconhecidas (com 21%). O único lugar onde isso ocorreu além do Brasil foi na Argentina.
O problema é global: 35% dos entrevistados disseram ter visto desinformação propagada por políticos.
A confiança na imprensa brasileira para informações sobre a pandemia foi apontada como a segunda mais alta do mundo, empatada com a da Alemanha e só superada pela imprensa da Coreia do Sul.
As entrevistas foram realizadas em abril pela empresa de pesquisas YouGov com 11 mil pessoas no Brasil, Alemanha, Argentina, Coreia do Sul, Espanha, Estados Unidos, Japão e Reino Unido. O objetivo foi examinar o comportamento do público em relação às notícias sobre a doença e os níveis de confiança nas diferentes fontes de informação – imprensa, redes sociais, governos, instituições de saúde, políticos, conhecidos e desconhecidos -, bem como a exposição à desinformação e a confiança nas vacinas.
“A pandemia de coronavírus e a infodemia a ela associada têm um desafio para o público e também para as instituições. No geral, os dados mostram que os meios de comunicação estão desempenhando um papel central para ajudar as pessoas a superar a crise“, diz o relatório, que tem com autores os pesquisadores Rasmus Nielsen, Anne Schulz e Richard Fletcher.
Brasileiros se informaram mais pelas plataformas digitais do que pela imprensa
O trabalho apontou o Brasil como um dos quatro países onde as pessoas se informaram mais pelas plataformas digitais combinadas do que pela imprensa. Na Alemanha, Coréia do Sul e Estados Unidos isso também ocorreu.
As plataformas mais amplamente utilizadas como fonte de notícias variam de acordo com o país, embora em quase todos o Facebook, Google Search, YouTube, Twitter e WhastApp tenham amplo alcance. O Brasil foi o que apresentou o maior nível de uso do Google (54%), Facebook (44%), WhatsApp (41%) e Instagram (38%) para essa finalidade entre os oito países pesquisados. E o índice de uso do Youtube pelos brasileiros (45%) só não foi o maior também porque foi superado em dois pontos pelos coreanos.
O estudo mostra que a pandemia expôs ainda mais as contradições que envolvem o papel das plataformas digitais na sociedade. Elas investiram em divulgação de informações sobre a doença e conexão com serviços oficiais. Por outro lado, a desinformação tomou conta das redes sociais, aproveitadas por grupos antivacina e por manifestantes contrários a medidas de isolamento social.
Confiança nas notícias da pandemia pela imprensa continuou mais alta que pelas mídias sociais
Mas o acesso a informações via plataformas digitais não se traduziu em confiança no que é recebido por meio delas.
A confiança nas informações sobre a doença recebidas pela imprensa continuou bem acima da depositada nas plataformas. A média global, segundo o Instituto Reuters, é de uma diferença de 21 pontos percentuais em favor dos veículos de notícias em comparação com sites de vídeos como o Youtube, 25 pontos sobre mídias sociais como Facebook e Instagram e de 28 pontos quando comparados com os aplicativos de mensagens como o WhatsApp.
No Brasil, a confiança na imprensa também é maior do que a depositada nas plataformas quando o assunto são as informações sobre a pandemia, mas com diferenças pouco abaixo das médias globais. E com uma diferença: ao contrário dos outros países com exceção da Argentina, a confiança nos mecanismos de busca como o Google ganha da imprensa na hora de se informar sobre o coronavírus.
Fontes ligadas à saúde foram as mais confiáveis como fontes de informações da pandemia
Médicos, cientistas e especialistas em saúde foram vistos como as fontes mais confiáveis nos oito países examinados pelo Instituto Reuters, seguidos por organizações nacionais e internacionais de saúde, com pequenas variações entre as nações. A imprensa veio em seguida em todos eles.
No Brasil, a diferença de confiança em informações recebidas pela imprensa e pelo governo é de seis pontos percentuais. Na Argentina, a mídia abriu vantagem de 10 pontos percentuais sobre o poder público. Nos Estados Unidos deu empate.
Queda de confiança generalizada após um ano de pandemia
Considerando apenas os seis países onde a pesquisa foi feita também em 2020, a confiança no jornalismo caiu 8%, e nos governos 13%, segundo o Instituto Reuters. A queda mais acentuada foi nos Estados Unidos, país em que o ex-presidente Donald Trump elegeu a imprensa como inimiga pública – uma pesquisa mostrou que ele tuitou uma vez por dia contra jornalistas e veículos de comunicação em cinco anos e meio, até ser excluído das redes sociais. Não há comparação entre os dados brasileiros porque o país não foi incluído na pesquisa do ano passado.
Ajudando a entender
A imprensa também foi apontada pelos entrevistados como a fonte que mais tem ajudado a entender os assuntos relacionados ao coronavírus. Nos oito países, mais da metade dos entrevistados disseram que a mídia os ajudou a saber o que fazer em resposta à pandemia, superando os governos.
No Brasil, os políticos são considerados a maior fonte de desinformação referente à Covid-19, o que faz sentido com a última posição que ostentam no ranking de confiança na hora de se buscar informações sobre a doença. A classe política é percebida como fonte de desinformação maior do que as pessoas desconhecidas. Ainda no campo político, em seguida aparece o governo.
O percentual de brasileiros que vinculam a desinformação da Covid-19 à imprensa (27%) está em linha com a média global (25%). A pesquisa do Instituto Reuters identificou que o viés político influencia nessa percepção. Considerando apenas os que se definem como de direita, o percentual global sobe para 33% entre os que enxergam desinformação sobre a doença vinculada à imprensa.
As principais fontes
Em quase todos os países, a imprensa figurou como a fonte mais usada pela população para se informar sobre o coronavírus. Coréia do Sul e Espanha são as nações onde a mídia tradicional vem sendo mais utilizada.
Já no Brasil, médicos, cientistas. especialistas em saúde vêm em primeiro lugar, seguidos por organizações de saúde globais (como a OMS) e organizações locais. A pesquisa não especifica como o entrevistado teve acesso a uma dessas fontes, o que em boa parte dos casos pode ter acontecido via imprensa, mas não ser atribuído diretamente ao meio de comunicação pelo qual uma autoridade ou especialista falou.
O país também registrou um percentual alto de pessoas que se informam pelo governo, superado apenas por Japão e Coréia. E teve a mais alta taxa de pessoas que relataram ter se informado por meio de conhecidos (26%) e de desconhecidos (11%), o que pode refletir informações recebidas pelas mídias sociais.
A “fadiga de notícia”
Os pesquisadores do Instituto Reuters compararam os resultados com outra pesquisa semelhante feita em abril de 2020, que não envolveu o Brasil. Na maioria deles – Estados Unidos, Argentina, Reino Unido, Espanha, Alemanha, Coreia do Sul e Japão – houve um declínio generalizado de consumo de notícias por todas as fontes. Isso indica a tendência de as pessoas evitarem o noticiário – a chamada “fadiga de notícia -, reduzindo o nível de informação sobre a crise de saúde pública e afetando o combate ao coronavírus.
Nos oito países examinados, o Instituto identificou o uso maior da imprensa como fonte de informação entre os público acima de 55 anos. Brasil e Estados Unidos são os que menos usaram a imprensa como fonte de informação a respeito da Covid-19, em todas as faixas etárias pesquisadas.
A informação pela imprensa também é maior entre o público de escolaridade mais elevada em todos os países examinados. Espanha e Coréia do Sul são os países onde a mídia tradicional alcançou os maiores índices, enquanto Brasil e Estados Unidos ficaram nas últimas posições.
Testando a desinformação
Uma boa notícia do estudo é que a crença em informações falsas sobre as vacinas contra o coronavírus é muito baixa em todos os países. Os pesquisadores mostraram aos entrevistados cinco afirmações inverídicas sobre a doença. Mais de 90% delas não acreditam em nenhuma delas.
Uma análise do comportamento em relação à desinformação revelou que os que se informam por meios de comunicação reconhece uma desinformação sobre a vacina em todos os países.
Por outro lado, os que confiam em aplicativos de mensagens para obter informações sobre o coronavírus demonstraram-se mais inclinados a acreditar em afirmações falsas. E em cinco países, os que usam mídias sociais e sites de streaming de vídeo como fonte também se mostraram propensos a crer em desinformação.
Entre os países que participaram da pesquisa estão alguns dos mais afetados até agora (Argentina, Brasil, Espanha, Reino Unido e os EUA) e países com muito menos mortes e um baixo número de casos confirmados. (Japão e Coreia do Sul) . E a Alemanha – que por um tempo considerável se saiu melhor do que muitas outras nações, mas que agora enfrenta uma onda de infecções.
Fonte: Luciana Gurgel/Media Talks